Opinião
A conformidade na Administração Pública: fragilidades no combate à corrupção no MINFIN
A boa governação é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento sustentável de qualquer nação. Segundo Richard Allen, um dos principais especialistas em finanças públicas, “a transparência e a prestação de contas são a espinha dorsal de uma gestão fiscal eficiente” (Allen, 2013). A transparência, a prestação de contas e o combate à corrupção são elementos essenciais para garantir que os recursos públicos sejam geridos de forma eficiente e em benefício da sociedade. No entanto, em muitos países, incluindo Angola, a corrupção continua a ser um grande obstáculo à eficiência da Administração Pública, minando a confiança dos cidadãos nas instituições e comprometendo o progresso económico e social.
O Ministério das Finanças (MINFIN) desempenha um papel crucial na gestão das finanças públicas, sendo responsável pela arrecadação de receitas, pela elaboração do Orçamento Geral do Estado (OGE) e pela supervisão da despesa pública. Para garantir que estes processos sejam conduzidos com integridade e responsabilidade, foi criado o Gabinete de Organização e Conformidade, uma estrutura concebida para assegurar que os actos administrativos estejam alinhados com as normas legais e os princípios de boa governação.
Contudo, uma análise detalhada do estatuto orgânico do MINFIN revela que, apesar de existirem mecanismos formais de controlo, há fragilidades na actuação deste gabinete que comprometem a eficácia da prevenção e do combate à corrupção. A ausência de mecanismos robustos de fiscalização, a falta de auditorias regulares e independentes, bem como a ineficácia na aplicação de sanções contra infracções administrativas e financeiras, são alguns dos problemas que permitem a proliferação de práticas ilícitas dentro do sector público.
De acordo com Vito Tanzi, economista especializado em finanças públicas, “a corrupção no sector público não é apenas uma questão de moralidade, mas um factor que prejudica o crescimento económico e mina a capacidade do Estado em fornecer bens e serviços essenciais” (Tanzi, 1998). Assim, combater a corrupção no MINFIN não é apenas uma necessidade administrativa, mas um imperativo para o desenvolvimento sustentável do país.
Neste artigo, analisamos as principais lacunas na actuação do Gabinete de Organização e Conformidade e propomos medidas para fortalecer a integridade na Administração Pública, promovendo um ambiente de maior transparência e responsabilização dentro do MINFIN.
As Competências do Gabinete de Organização e Conformidade
O Gabinete de Organização e Conformidade é uma unidade estratégica no MINFIN, cuja função primordial é assegurar que os procedimentos administrativos estejam alinhados com as normas legais e os princípios de boa governação. Compete a este gabinete implementar sistemas de controlo interno, promover a ética na função pública e monitorizar a conformidade dos actos administrativos.
Contudo, na prática, há indícios de falhas que têm permitido a ocorrência de actos ilícitos. Algumas dessas falhas podem estar relacionadas com a insuficiência de auditorias independentes, a inexistência de mecanismos eficazes para denúncias anónimas e a ausência de uma cultura institucional robusta de combate à corrupção.
Pontos Críticos na Aplicação do Estatuto Orgânico
Ao analisar a estrutura e funcionamento do Gabinete de Organização e Conformidade, identificam-se falhas que comprometem a eficácia do seu papel:
1. Falta de Fiscalização Rigorosa
Embora esteja prevista a realização de auditorias internas periódicas para garantir a conformidade dos processos financeiros e administrativos, a sua implementação tem sido insuficiente, permitindo que desvios de recursos ocorram sem a devida responsabilização.
2. Omissão na Aplicação de Sanções
Mesmo com normas que preveem penalizações para funcionários envolvidos em práticas ilícitas, a falta de celeridade nos processos disciplinares enfraquece o impacto das sanções e não desincentiva comportamentos corruptos.
3. Falta de Transparência nos Processos Administrativos
A não disponibilização de informações claras sobre contratações, despesas e outros actos administrativos compromete o princípio da boa governação e dificulta o escrutínio por parte dos cidadãos e das instituições de controlo.
4. Gestão Deficiente dos Riscos de Corrupção
A ausência de um mapeamento eficiente dos riscos de corrupção dentro das diferentes áreas do MINFIN enfraquece a capacidade do Gabinete de Organização e Conformidade de actuar preventivamente.
O Caminho para uma Administração Pública Íntegra
Para que o Gabinete de Organização e Conformidade cumpra efectivamente o seu papel, é essencial que haja:
Auditorias independentes e frequentes, garantindo que falhas sejam identificadas e corrigidas atempadamente;
Implementação de um canal seguro de denúncias, assegurando protecção para denunciantes de práticas ilícitas;
Fortalecimento da cultura de ética e integridade, através da capacitação contínua dos servidores públicos;
Aplicação rigorosa das sanções, para garantir que a impunidade não incentive novas práticas corruptas;
Maior transparência nos processos administrativos, permitindo que a sociedade civil e os órgãos de controlo externo como o Tribunal de Contas e outros possam fiscalizar as acções do MINFIN.
Portanto, a corrupção é um problema sistémico que exige respostas estruturadas e eficazes. A simples existência de um estatuto orgânico bem elaborado não é suficiente para garantir a integridade na Administração Pública. É necessário que as normas estabelecidas sejam efectivamente aplicadas e que os órgãos responsáveis pela fiscalização e conformidade tenham autonomia e capacidade operacional para desempenhar o seu papel.
O Gabinete de Organização e Conformidade do MINFIN deve ser fortalecido, com a implementação de auditorias independentes regulares, a criação de mecanismos eficazes de denúncia e a aplicação rigorosa de sanções para os infractores. A transparência deve ser uma prioridade, garantindo que os cidadãos tenham acesso a informações claras e detalhadas sobre a gestão dos recursos públicos.
Além disso, é fundamental que a cultura organizacional do sector público seja reformulada, promovendo a ética e a responsabilidade como valores centrais. Isso só será possível através de programas contínuos de capacitação dos servidores públicos, sensibilização da sociedade civil e reforço do papel das instituições de controlo externo.
Para Keynes (1936), “a boa gestão fiscal não deve ser apenas uma meta, mas um princípio norteador da Administração Pública” (Keynes, 1936). Assim, a luta contra a corrupção não pode ser um mero discurso político, mas uma prática diária, assente em acções concretas e mensuráveis.
Se quisermos construir um país mais justo e economicamente sustentável, devemos começar por assegurar que os órgãos de conformidade actuem com rigor e independência. A transformação da Administração Pública angolana depende da implementação efectiva das normas já estabelecidas e do combate incessante às falhas que facilitam a corrupção.