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Análise

66% dos doentes com AVC atendidos no Hospital de Viana são jovens com menos de 35 anos 

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O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma interrupção súbita do fluxo sanguíneo no cérebro, causada por obstrução (isquémico) ou rutura de um vaso (hemorrágico), levando à morte de células cerebrais. Manifesta-se por fraqueza, fala arrastada, perda de visão ou consciência. É uma emergência médica e uma das principais causas de morte e incapacidade no mundo.

Em Angola, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) tem vindo a emergir como uma das principais causas de morbilidade e mortalidade, reflectindo a transição epidemiológica do país. As suas causas estão fortemente associadas ao aumento das doenças não transmissíveis e aos determinantes sociais da saúde. Entre os principais factores destacam-se a hipertensão arterial mal controlada – frequentemente não diagnosticada ou sem seguimento adequado -, o diabetes mellitus, a dislipidemia e o consumo excessivo de álcool e tabaco.

Acrescem ainda o sedentarismo, a obesidade e a má alimentação, marcadas por dietas ricas em sal e gorduras saturadas. A estes factores individuais somam-se determinantes estruturais, como o limitado acesso aos cuidados primários de saúde, a escassez de programas de rastreio e educação comunitária, bem como as dificuldades na adesão terapêutica por razões económicas. A falta de unidades de AVC equipadas e a demora no atendimento emergente agravam o prognóstico dos doentes. Assim, o AVC em Angola reflecte não apenas um problema clínico, mas também um desafio sistémico e social que exige políticas integradas de prevenção, diagnóstico precoce e reabilitação.

Para reduzir a incidência e o impacto do Acidente Vascular Cerebral (AVC) em Angola, é fundamental adoptar um conjunto de medidas de saúde pública centradas na prevenção e na promoção do bem-estar das populações. Uma das ações prioritárias é a implementação de programas de rastreio comunitário, que permitam identificar precocemente fatores de risco como hipertensão, diabetes e dislipidemia, sobretudo nas zonas rurais e periurbanas onde o acesso aos cuidados de saúde é limitado.

A promoção do bem-estar das famílias também é essencial, garantindo condições dignas de habitação, alimentação equilibrada e acesso à informação sobre estilos de vida saudáveis. Políticas públicas que favoreçam o emprego e a estabilidade económica contribuem indiretamente para a saúde cardiovascular, reduzindo o stress e facilitando a adesão aos tratamentos.

A criação e manutenção de espaços públicos para a prática regular de atividade física, como parques, ciclovias e centros comunitários, incentiva hábitos saudáveis e o convívio social. Do mesmo modo, o estímulo a atividades de lazer e culturais ajuda a combater o sedentarismo e promove a saúde mental.

Outra medida fundamental é o subsídio ou comparticipação de medicamentos essenciais para o controlo da hipertensão, diabetes e colesterol, permitindo que mais pessoas mantenham o tratamento contínuo e evitem complicações. Paralelamente, é necessária uma forte campanha nacional de educação em saúde, com foco na prevenção do AVC e na importância de procurar ajuda médica imediata diante dos primeiros sinais.

Em conjunto, essas ações podem transformar o AVC de uma tragédia frequente numa condição amplamente prevenível, reforçando o papel do Estado e da sociedade civil na promoção de uma cultura de saúde e prevenção em Angola.

Embora o investimento em hospitais terciários seja importante para tratar casos graves e garantir cuidados especializados, a prioridade estratégica em Angola deve ser o reforço da prevenção e do sistema primário de saúde.

O AVC, tal como outras doenças não transmissíveis, tem origem em fatores de risco muitas vezes evitáveis — como a hipertensão, o diabetes, a má alimentação e o sedentarismo. Portanto, actuar antes da doença surgir é mais eficaz, mais barato e socialmente justo. Um sistema primário de saúde forte permite detetar precocemente esses fatores, acompanhar os doentes crónicos, educar as comunidades e reduzir significativamente a procura por cuidados hospitalares complexos.

Contudo, esta aposta preventiva não deve excluir o investimento em unidades de referência. É essencial que o país disponha de alguns hospitais terciários bem equipados, com unidades de AVC, imagiologia moderna e equipas multidisciplinares capazes de tratar os casos agudos e reduzir as sequelas.

Em suma, o equilíbrio ideal passa por fortalecer a base — a prevenção e o primeiro nível de cuidados —, enquanto se consolida uma rede hospitalar de referência para os casos inevitáveis. Investir na prevenção é investir na sustentabilidade do sistema de saúde e na qualidade de vida dos angolanos.

Doutorando em Doenças Tropicais e Saúde Global, Mestre em Medicina, Mestre em Saúde Pública, Especialista em Pediatria, Especialista em Administração Hospitalar, Pós-graduado em Economia da Saúde e Resultados em Saúde. Licenciado em Medicina e também Licenciado em Enfermagem. Docente Universitário e Presidente da Academia Angolana de Medicina.

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